Após anos de uma MPB dominada por violões, arranjos sofisticados e letras metafóricas, a década de 1980 chegou com a urgência de uma guitarra distorcida. O Brasil vivia o processo de redemocratização, e a juventude, que cresceu sob a ditadura, tinha muito a dizer. Inspirados pelo punk e pelo pós-punk que vinham da Inglaterra e dos EUA, mas com um olhar voltado para a realidade brasileira, uma legião de bandas surgiu para criar o que ficou conhecido como BRock, o rock brasileiro. Eles trocaram a sutileza pela urgência e se tornaram os porta-vozes de toda uma geração.
O Eixo Brasília-Rio: A Origem da Explosão
O movimento que dominaria o país nasceu de dois polos principais. Em Brasília, uma cidade planejada e burocrática, o tédio e a influência de bandas punk e pós-punk como The Clash e The Cure levaram à formação de uma cena musical intensa, que revelaria bandas como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. No Rio de Janeiro, a turma do Circo Voador, um espaço de cultura alternativa, deu origem a bandas como Barão Vermelho, Blitz e Os Paralamas do Sucesso, com um som que misturava rock, blues e uma certa irreverência carioca.
Como vimos na série "História do Rock", o punk trouxe de volta a simplicidade dos três acordes e a atitude do "faça você mesmo". A geração 80 absorveu essa lição. Suas músicas eram diretas, com progressões de acordes relativamente simples, mas com uma energia e uma sinceridade que se conectavam imediatamente com o público jovem.
A juventude dos anos 80: uma geração que encontrou no rock a trilha sonora para a redemocratização e seus anseios.
Legião Urbana: A Poesia da Angústia Juvenil
Nenhuma banda simboliza melhor a intensidade daquela geração do que a Legião Urbana. Liderada pelo poeta e vocalista Renato Russo (1960-1996), a Legião era a voz da angústia, do idealismo e das desilusões da juventude urbana. As letras de Renato eram longas, confessionais e repletas de referências literárias e filosóficas, criando uma conexão quase messiânica com seus fãs.
Canções como "Geração Coca-Cola" criticavam o imperialismo cultural, "Que País É Este" questionava a identidade nacional pós-ditadura, e "Pais e Filhos" abordava de forma sensível temas como o suicídio e os conflitos familiares. A Legião Urbana se tornou um fenômeno de proporções gigantescas, com fãs que sabiam de cor cada palavra de suas longas canções, transformando seus shows em verdadeiras catarses coletivas.
"Disciplina é liberdade / Compaixão é fortaleza / Ter bondade é ter coragem (...) / Somos os filhos da revolução / Somos burgueses sem religião / Somos o futuro da nação / Geração Coca-Cola."
- Renato Russo, em "Geração Coca-Cola" (1985)
Renato Russo, o poeta e líder da Legião Urbana, que se tornou a voz de uma geração inteira.
Barão Vermelho: O Retorno do Rock'n'Roll Básico
Se a Legião era a cabeça, o Barão Vermelho era o corpo. A banda carioca, liderada nos seus primórdios pela dupla Cazuza (1958-1990) nas letras e voz, e Roberto Frejat na guitarra, resgatou a essência do rock'n'roll mais básico e visceral, inspirado nos Rolling Stones. As letras de Cazuza eram debochadas, hedonistas e poeticamente marginais, a crônica perfeita da boemia e dos excessos do Rio de Janeiro.
Com hits como "Bete Balanço" e "Pro Dia Nascer Feliz", o Barão Vermelho criou hinos que eram, ao mesmo tempo, perfeitos para dançar e repletos de uma poesia cortante. "Pro Dia Nascer Feliz", por exemplo, foi cantada no primeiro Rock in Rio (1985) e se tornou, quase por acaso, um dos hinos do fim da ditadura, celebrando a chegada de um novo tempo.
A explosão do rock nos anos 80 foi um momento crucial, que reintegrou a guitarra e a atitude rockeira ao mainstream da música brasileira. Bandas como Paralamas do Sucesso, Titãs, Ira! e muitas outras criaram um dos períodos mais ricos e comercialmente bem-sucedidos da nossa história musical. No entanto, a década seguinte traria uma nova revolução, vinda novamente do Nordeste, que misturaria o peso do rock com os ritmos regionais de uma forma nunca antes vista.
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