O Som Universal de Minas: O Clube da Esquina

Enquanto o Tropicalismo explodia em cores e polêmicas na Bahia e em São Paulo, um som diferente, mais introspectivo e de uma beleza melancólica, ecoava pelas ruas de Belo Horizonte. Em uma esquina do bairro de Santa Tereza, um grupo de jovens músicos se reunia para compartilhar canções, sonhos e criar uma das sonoridades mais ricas e influentes da história da música brasileira. Eles não eram um movimento formal, mas uma irmandade musical que ficou eternizada como o Clube da Esquina.

A Esquina do Mundo: Uma Mistura Única

O som do Clube da Esquina era uma fusão única de influências. Seus membros ouviam de tudo e absorviam tudo com uma sensibilidade ímpar. A base era a Bossa Nova, com suas harmonias sofisticadas, mas a ela se somavam o rock progressivo de bandas como os Beatles (especialmente da fase "Sgt. Pepper's"), o jazz de Miles Davis, a música folclórica de Minas Gerais e a música erudita de compositores como Villa-Lobos. O resultado era uma música de uma riqueza harmônica e melódica extraordinária.

Como vimos na série "Desvendando a Música", as progressões de acordes podem seguir caminhos inesperados. O Clube da Esquina levou isso a um novo nível. Suas harmonias eram complexas, cheias de acordes alterados e modulações (mudanças de tom) que criavam paisagens sonoras cinematográficas. As melodias, por sua vez, eram fluidas e muitas vezes saltavam por intervalos amplos, refletindo a vastidão das montanhas de Minas.

Capa do álbum 'Clube da Esquina' de 1972, com a foto icônica dos dois meninos na estrada de terra.

A capa do álbum duplo "Clube da Esquina" (1972), um marco da MPB e a síntese da sonoridade do movimento.

Milton Nascimento: A Voz da América

No centro dessa constelação de talentos estava a figura e a voz de Milton Nascimento (1942-), apelidado de "Bituca". Com um alcance vocal impressionante e um timbre único, que ia do grave profundo a um falsete etéreo, Milton era a voz que dava unidade ao som do Clube. Sua música não tinha fronteiras; ele cantava sobre a amizade, a natureza, as raízes latino-americanas e as dores do povo, com uma espiritualidade que transcendia qualquer religião.

Milton já havia se destacado nos festivais, mas foi com o Clube da Esquina que sua música encontrou seu ecossistema perfeito. Ele era o aglutinador, o irmão mais velho que abria as portas para os parceiros mais jovens, como Lô Borges.

"Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês não vão saber / Mas agora eu sou cowboy / Sou do ouro, eu sou vocês / Sou do mundo, sou Minas Gerais."

- Milton Nascimento e Fernando Brant, em "Para Lennon e McCartney" (1970)

Lô Borges, Beto Guedes e a Força Coletiva

O Clube da Esquina era, acima de tudo, um projeto coletivo. Lô Borges (1952-), ainda adolescente, foi o parceiro fundamental de Milton no primeiro álbum "Clube da Esquina", co-assinando clássicos como "O Trem Azul" e "Paisagem da Janela". Seu talento para criar melodias com uma pegada mais pop e rockeira complementava perfeitamente a sofisticação de Milton. O "Tênis da Fama", como ficou conhecido o disco solo que Lô gravou na mesma época, é outra obra-prima do período.

Beto Guedes (1951-), com sua voz inconfundível e suas composições que mesclavam rock progressivo e influências regionais, foi outro pilar do movimento. Canções como "O Sal da Terra" e "Amor de Índio" se tornaram hinos de uma geração. A eles se juntavam os irmãos Marcio e Lô Borges, Fernando Brant (o letrista principal), Wagner Tiso, Toninho Horta e muitos outros, formando uma das mais ricas e prolíficas "famílias" da música brasileira.

Milton Nascimento e Lô Borges juntos, em uma foto que representa a parceria e a amizade do Clube da Esquina.

Milton Nascimento e Lô Borges: a união de duas gerações e talentos que formou o coração do Clube da Esquina.

O legado do Clube da Esquina é a prova de que a grande arte pode florescer em qualquer lugar. Eles criaram uma música universal sem nunca perderem suas raízes, influenciando artistas no mundo inteiro com sua beleza melódica e sua complexidade harmônica. Enquanto a MPB se urbanizava no Rio e em São Paulo, o som que vinha das montanhas de Minas falava diretamente à alma do Brasil e do mundo.

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