Deixando para trás os rituais dos grandes impérios do Oriente Próximo, nossa jornada musical desembarca nas costas do Mediterrâneo, no mundo da Grécia e de Roma. Aqui, a música transcendeu seu papel puramente ritualístico e prático para se tornar objeto de estudo filosófico, matemático e um pilar da formação do cidadão ideal. Pela primeira vez na história, a música não era apenas sentida, mas também pensada.
Grécia: A Música como Reflexo do Cosmos
Para os gregos antigos, a música (mousiké) era uma arte divina, um presente das Musas que englobava não apenas melodia e ritmo, mas também poesia e dança. Ela estava em toda parte: nas competições atléticas, nos simpósios (banquetes filosóficos), nas peças de teatro e, claro, nas cerimônias religiosas. No entanto, a grande revolução grega foi a sua abordagem intelectual.
Filósofos como Pitágoras acreditavam que a música era a manifestação audível da harmonia matemática que regia o universo. Ele teria descoberto que os intervalos musicais consonantes (como a oitava, a quinta e a quarta) correspondiam a razões numéricas simples, ligando o som diretamente aos princípios fundamentais do cosmos naquilo que ficou conhecido como a "Música das Esferas".
Mais tarde, Platão e Aristóteles desenvolveram a Teoria do Ethos. Eles argumentavam que a música tinha o poder de influenciar diretamente o caráter (ethos) de uma pessoa. Cada modo musical (uma espécie de escala, como o Dórico, o Frígio ou o Lídio) era associado a uma emoção ou qualidade específica:
- O modo Dórico era visto como viril, sério e educacional, ideal para formar cidadãos corajosos.
- O modo Frígio era considerado extasiante e passional, usado em rituais dionisíacos.
- O modo Lídio era frequentemente criticado por Platão como sendo relaxante e autoindulgente, capaz de amolecer o caráter.
Por isso, a escolha da música na educação dos jovens era uma questão de Estado, pois acreditava-se que ela moldava a alma e, consequentemente, a sociedade.
"A música dá alma ao universo, asas à mente, voo à imaginação e vida a tudo." - Platão (atribuído)
No teatro grego, o coro cantava e dançava, comentando a ação e guiando a resposta emocional da plateia. A música era inseparável da tragédia e da comédia. Os principais instrumentos eram a lira (associada a Apolo, deus da razão e da ordem) e o aulos (um instrumento de sopro duplo, associado a Dionísio, deus do vinho e do êxtase).
Roma: A Música da Conquista e do Espetáculo
Quando Roma conquistou a Grécia, absorveu grande parte de sua cultura, incluindo sua música. No entanto, os romanos deram a ela um caráter mais prático e grandioso, refletindo a natureza de seu império. A música deixou de ser primariamente um objeto de especulação filosófica para se tornar uma ferramenta de poder e entretenimento de massa.
A música em Roma era sinônimo de espetáculo. Ela ecoava nos imensos anfiteatros, como o Coliseu, durante os combates de gladiadores, e era parte essencial das peças de teatro populares, que eram muito mais farsescas e menos filosóficas que as gregas. A música militar também ganhou uma importância sem precedentes:
- A tuba (uma trombeta reta e longa) e a cornu (um grande chifre em forma de 'G') eram usadas para dar sinais às legiões no campo de batalha, coordenando movimentos e inspirando os soldados.
Os romanos também desenvolveram instrumentos mais potentes e complexos, como o hydraulis, um ancestral do órgão de tubos que usava a pressão da água para produzir um som poderoso, capaz de ser ouvido por grandes multidões. A música era um símbolo de status, e imperadores como Nero se orgulhavam de suas habilidades como cantores e tocadores de lira, ainda que isso fosse visto com desdém pela aristocracia mais conservadora.
O Legado Clássico
A contribuição da Grécia e de Roma para a música ocidental é imensurável. Os gregos nos deram a própria ideia de "teoria musical", os nomes das notas, os conceitos de modo e intervalo, e a crença duradoura no poder ético e emocional da música. Os romanos, por sua vez, mostraram como a música poderia ser usada para organizar a sociedade em grande escala e para criar espetáculos monumentais.
Essa herança clássica, com sua tensão entre a razão e a emoção, a ordem e o espetáculo, seria a base sobre a qual toda a música ocidental, a partir da Idade Média, seria construída.

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